André Brown[1]
Estive, nos meses de junho e julho
de 2013, realizando oficinas de histórias em quadrinhos (HQ) com turmas do ensino fundamental do Instituto de Educação Fernando Rodrigues da Silveira – CAp/ UERJ, junto à minha ex-aluna do curso de pedagogia (Edu/ Uerj), Érica[2], também estagiária de pedagogia nesta instituição de ensino e pesquisa. Na ocasião, desenvolvemos histórias em quadrinhos com os alunos sobre
a temática “Solidariedade x bullying”. A pesquisa
“Bullying no CAp: reconhecer para combater”[3], desenvolvida na instituição, desdobra-se em ações preventivas contra o bullying
na escola.
Quando fui convidado a elaborar a oficina de HQ abordando a temática
do bullying com os alunos
do 5º ano do ensino fundamental, estava em contato com outras escolas, pesquisando os usos dos quadrinhos realizados por outros professores. Considerei oportuno, para minha pesquisa, fazer as oficinas, pois essas atividades poderiam possibilitar mais algumas percepções de aprendizagensino por meio das HQ. Fui informado sobre alguns
detalhes do projeto, pré-existente às minhas idas à escola, em conversas
e no texto de trabalho acadêmico quando
Érica me passou os objetivos
do projeto:
O projeto “Bullying no CAp: reconhecer
para combater” existe desde 2010 e marca uma compreensão que passou a informar a ação da coordenação pedagógica
da unidade de que: (a) toda escola de ensino fundamental e médio precisa reconhecer o que são práticas
de bullying ; (b) há bullying no seu interior e, com isso, faz-se necessário
dar um tratamento a essas práticas que impliquem em duas direções:
(b.1) lidar com todos os envolvidos
em cada caso – expondo os seus problemas intrínsecos e desnaturalizando-os –, e (b.2) desenvolver ações de prevenção a atos de bullying, trazendo toda a comunidade para
refletir sobre a questão e
se engajar no projeto de
mudar essa realidade. Desde então, diferentes atividades
vêm sendo desenvolvidas no interior do projeto.
Durante a preparação para realizar a oficina de HQ junto aos alunos
e professores daquela instituição, tomei conhecimento do projeto
e imaginei como as criações
de HQ poderiam
proporcionar momentos de discussão e reflexão
sobre o bullying. Precisei
ler sobre o assunto, busquei
pesquisas de alguns autores sobre o tema e as práticas
de desconstrução do bullying. Segundo Lopes
Neto (200 5, p. S154),
bullying compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas
por um ou mais estudantes contra outro(s), causando
dor e angústia, sendo executadas
dentro de uma relação desigual de poder. Essa assimetria
de poder associada ao bullying pode ser consequente da diferença de idade, tamanho, desenvolvimento físico ou emocional,
ou do maior apoio dos demais estudantes.”
No decorrer de outras leituras que fui buscar, tive contato
com manuais de combate ao bullying. Um desses manuais ensina a identificar
e classificar os tipos de bullying, perfis de agressores
bullies e
vítimas ou alvos, testemunhas, e prescreve um programa contínuo antibullying na
escola com algumas ações indicadas como psicoeducação, palestras na escola, para pais, professores e alunos, ensino
de moral e ética, elaboração de constituição escolar antibullying e alguns mecanismos de controle.
No entanto, observei que sistemas de punição não são tão eficientes como algumas vezes é relatado em programas antibullying. Tenho percebido, nos meus
contatos com estudantes das diversas escolas na minha vida de professor e
durante minha pesquisa, as preocupações de pais e professores com casos
diversos e recorrentes de bullying.
Simultaneamente, durante a elaboração da oficina, estava lendo textos sobre solidariedade na educação, nos aspectos de pesquisa
nos/ dos/ com os cotidianos das escolas (ALVES, 2001) e também em obras específicas sobre
educação solidária. Na minha experiência de professor, tenho identificado que, na maior parte das vezes, falta o diálogo,
o respeito mútuo, o afeto, a solidariedade e as conversas
com as crianças e jovens
que praticam e sofrem o bullying. Alguns
estudos apontam para as vítimas dos casos de bullying com um comportamento
mais inibido, como explica Lopes Neto (200 5, p. S170), os alvos de bullying
em geral, não dispõe de recursos,
status ou habilidade para reagir ou cessar o bullying. Geralmente,
é pouco sociável, inseguro e desesperançado quanto à possibilidade de adequação
ao grupo. Sua baixa autoestima é agravada por críticas dos adultos sobre a sua
vida ou comportamento, dificultando a possibilidade de ajuda. Tem poucos amigos,
é passivo, retraído, infeliz e sofre com a vergonha, medo, depressão e ansiedade.
Sua autoestima pode estar tão comprometida que acredita ser merecedor dos maus-tratos
sofridos.
Pensei que a oficina de HQ
poderia começar com algumas conversas sobre bullying e solidariedade
como contraponto, mas com muito cuidado para a atividade não virar uma
inculcação, uma oficina de HQ com discurso moralizante. Queria tentar um
processo dialógico a partir das próprias reflexões deles, funcionar apenas como
um facilitador das discussões e das elaborações dos quadrinhos, mesmo que a
oficina fosse resultado de uma “encomenda” prévia para trabalhar os quadrinhos
com a temática do bullying, muito oportuna para minha pesquisa em
andamento, não tinha o interesse de impor aos alunos e professores envolvidos
na atividade minha visão sobre o assunto. A limitação de tempo com cada turma
me preocupava, tanto para o desenvolvimento da atividade quanto para realizar
os registros de pesquisa das práticas com as HQ na sala de aula. Havia o risco
de a minha ação ser diretiva demais, conduzindo a atenção e o trabalho dos
alunos para o meu interesse de pesquisa. Precisava, então, controlar minha
ansiedade, deixar o processo fluir por eles mesmos além da minha apresentação
inicial para os alunos da proposta de trabalho com quadrinhos, que poderia ser
aceita ou não.
No dia marcado para as oficinas,
logo que entrei em sala de aula fui apresentado à turma. Escrevi, no quadro
branco, a palavra bullying e pedi para que eles me falassem o
significado da palavra, o que fizeram com facilidade, trazendo, em suas falas,
as diversas formas de bullying que já tinham estudado, como o cyberbullying
e suas variações. O mesmo fiz com a palavra “solidariedade”, e eles
disseram o que entendiam sobre o assunto já estudado na escola. Um aluno descreveu solidariedade como “maneiras de ajudar outras pessoas”, citando desabrigados
das chuvas, seca do nordeste, campanhas solidárias decorrentes de situações
trágicas. A professora problematizou e perguntou se, só nessas situações
limites, podemos ser solidários. Alguns alunos falaram de solidariedade no dia
a dia, nas relações interpessoais, nos trabalhos colaborativos, ideias que
tinham conversado em outras aulas.
Com essas ideias no ar e sem
apontar para alguma conclusão da conversa, pedi que fizessem os quadrinhos,
mostrei usos básicos da linguagem, balões, personagens, roteiro, desenho e
sequência de imagens. Organizaram-se em grupos de quatro alunos e começaram a
elaboração das HQ.
A estagiária Érica esteve
trabalhando junto comigo o tempo todo durante a oficina, fazendo registros de
imagem, anotações que, posteriormente, serviram de referencial para elaboração
de texto acadêmico apresentado na 13ª Semana de Graduação da Universidade do
Rio de Janeiro, 2013. Parte desse texto conta um pouco do que fizemos na
oficina:
De acordo com a prática
realizada na oficina “Histórias em quadrinhos contra o bullying”, que
provoca os(as) alunos(as) a contação, interpretação e elaboração de histórias
em quadrinhos relacionadas ao tema, motivamos os estudantes a refletirem e
debaterem sobre o que é o bullying, como ocorre e como agir durante a
situação. Com isso, foram ensinadas técnicas de desenho como forma de expressão
para expor e problematizar o tema; e, além disso, intervir diretamente nas
atitudes dos alunos(as) diante de uma situação de bullying, foi o
objetivo central da atividade.
No evento,
foi apresentado o pôster:
Todos os trabalhos elaborados foram realizados sob as mesmas condições de
produção para todos os alunos da mesma turma, durante a oficina de quadrinhos em
sala de aula. O tempo de elaboração e apresentação foi relativo a dois tempos de
aula totalizando uma hora e quarenta minutos. Os materiais utilizados foram aqueles
disponíveis em sala de aula: lápis 2B, giz de cera e lápis de cor sobre papel
sulfite branco formato A4. Cada grupo de alunos escolheu sua maneira de fazer os
quadrinhos, alguns partiram direto para os desenhos das páginas, outros preferiram
escrever as histórias e depois desenhar. Nem todos quiseram fazer os quadrinhos
completos, alguns deixaram a HQ sem conclusão e uma aluna preferiu fazer apenas
a expressão de um agressor bullie. Os trabalhos foram realizados em grupos
pequenos de até quatro alunos. Cada grupo estabeleceu a sua própria dinâmica de
trabalho, mas percebi que, em cada grupo, um aluno(a) ficou responsável pelo desenho.
A criação das narrativas, argumentos, passaram por conversas e organizações diferentes
do trabalho coletivo.
Com os
roteiros e as HQ prontos, os próprios alunos pediram para apresentar os seus trabalhos
com seus grupos na frente do quadro branco, prenderam suas HQ no quadro e, para
minha surpresa, fizeram contações das histórias e a dramatização dos personagens
das HQ que produziram, atividade não sugerida por mim nem pelas professoras.
As apresentações foram registradas pela escola em fotos e pequenos vídeos, aos quais
não tive acesso e não pude usar nesse trabalho em função da preservação das imagens
de alunos e professores. O trabalho fluiu bem, principalmente pela adesão e pela
participação efetiva dos professores e dos alunos do CAp para a realização da atividade.
Revendo
as HQ elaboradas pelos alunos e pensando nessa pesquisa sobre as práticas de aprendizagensino
com as histórias em quadrinhos, consegui perceber que, além da riqueza dos processos
de imaginação e elaboração ocorridos durante a atividade, os trabalhos concluídos
registram pistas, indícios que servem para análises posteriores. Os usos da linguagem
dos quadrinhos e seus elementos na educação vieram à tona nessa atividade, também,
a partir da percepção e da memória dos estudantes de outras HQs e personagens desenhados.
Percebi, também, que, sobre o tema trabalhado, no caso da atividade com essa turma
o bullying, por meio das HQ, foi possível compreender, nas narrativas quadrinizadas,
como acontecem algumas situações de bullying, suas lógicas, práticas e trajetórias,
nem sempre percebidas por professores e pais no cotidiano. As histórias em quadrinhos
apontam, também, como os estudantes e professores lidam com o problema.
Nossa
oficina de histórias em quadrinhos
contra o bullying poderá ser
realizada sempre que necessário e certamente será útil para a identificação e
compreensão das situações de bullying
em escolas e outras instituições.
*Esse
texto é um resumo de parte da tese de doutorado do autor intitulada "Os
usos das histórias em quadrinhos: processos de aprendizagensino nas escolas e em outros espaços educativos"
indicada nas referências abaixo, capítulo 7 "OFICINA DE HQ NAS REFLEXÕES
SOBRE O BULLYING".
Referências:
ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho: o cotidiano das
escolas nas lógicas das redes cotidianas. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de; ALVES,
Nilda (orgs.). Pesquisa no/ do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes.
Rio de Janeiro: DP& A, 2001.
BROWN, André (2014). Os usos das histórias em quadrinhos: processos de aprendizagensino nas escolas e em outros espaços educativos. 2014. 316 f. Tese (Doutorado em Educação)-ProPEd-Uerj, Faculdade de Educação da Uerj, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: < http://www.proped.pro.br/teses/teses_pdf/2004_1-46-DO.pdf > Acesso em: 17 maio 2015.
FREIRE, Paulo; FREIRE, Nita; OLIVEIRA, Walter Ferreira de. Pedagogia da solidariedade. Indaiatuba, SP: Villa das Letras, 2009.
FREIRE, Paulo; FREIRE, Nita; OLIVEIRA, Walter Ferreira de. Pedagogia da solidariedade. Indaiatuba, SP: Villa das Letras, 2009.
LOPES NETO, Aramis A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 5, 200 5. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572005000700006&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso
em: 5 dez. 2013.
[1] André Damasceno Brown Duarte – Doutor em Educação (ProPEd/Uerj-2014), Desenhista. brownideia@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7115745103613206
[2] Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Uerj; bolsista do CAp-Uerj na pesquisa “Enfrentando o Bullying na Escola”, orientada pela Profa. Dra. Cláudia Hernandez Barreiros Sonco.
[3] O projeto faz parte da Linha de Pesquisa Educação e Diferença, do CAp-Uerj, da Profa. Dra. Cláudia Hernandez Barreiros Sonco, e tem como objetivos gerais: “Conhecer e analisar criticamente a instituição escolar como um espaço de convivência entre diferentes. Reconhecer e compreender as implicações dessa convivência. Analisar os conflitos e também os alinhamentos que ocorrem em seu interior em processos de inclusão, exclusão, afeto, violência, tolerância, preconceito”.