André Brown
Ao
longo dos anos, tenho me dedicado à criação de oficinas de desenho. Observo, de
perto, a atratividade exercida pelos desenhos, sobre muitas crianças e jovens.
No início da década de 1990, costumava participar de um evento que acontecia na Rua da Carioca, em comemoração do aniversário dessa tradicional rua do centro
do Rio de Janeiro, onde eram organizadas várias atividades artísticas e
culturais promovidas pela SARCA (Sociedade de Amigos da Rua da Carioca e
Adjacências).
Uma
dessas atividades era o concurso de pintura sobre o Rio Antigo. Dirigiam-se
para lá, no domingo, pela manhã, cerca de cem pintores, profissionais ou
amadores, que recebiam a tarefa de pintar uma ou mais imagens que
representassem o Rio Antigo – poderia ser uma igreja, um prédio histórico, um
monumento ou algum detalhe da arquitetura local. Em uma das edições do evento, escolhi como tema os Arcos da Lapa, com a paisagem do bairro de Santa
Teresa ao fundo.
Por
volta das oito horas da manhã, encontrei um ponto, para montar meu cavalete, no
meio da Lapa, e comecei a desenvolver a pintura. Iniciei o esboço, na tela, e
percebi que, debaixo de cada arco do antigo aqueduto, havia crianças dormindo,
enroladas em cobertores. Um dos meninos do grupo veio em minha direção, pedindo
dinheiro para tomar café. Dei o dinheiro e continuei a pintar a tela. Não
demorou muito, o menino retornou. Comendo um pedaço de pão, sentou-se ao lado
do cavalete. Ainda mastigando, perguntou sobre o que eu estava pintando.
Expliquei-lhe que era para o concurso da Rua da Carioca e que estava começando
a pintar os Arcos da Lapa. O menino, então, pela primeira vez, sorriu.
Perguntou se eu poderia ensiná-lo a pintar. Como tinha levado material de sobra
– tintas, pincéis, papéis e algumas telas pequenas, mostrei como ele poderia
fazer um desenho e pintá-lo. Ele ficou ali, ao meu lado, divertindo-se com as
tintas e as misturas de cores, enquanto eu continuava trabalhando na minha
pintura. Gradativamente, os outros meninos foram se aproximando e sentando-se,
em forma de semicírculo, em torno do meu cavalete. Ficaram observando, atentamente,
a imagem surgir na minha tela, e começaram a sugerir cores para a pintura.
O
trabalho ficou pronto bem próximo da hora limite da entrega. Seria feita uma
avaliação popular, que apontaria os premiados do concurso, às 15h. Os dez
meninos me acompanharam até o Bar Luís, na Rua da Carioca, para o encerramento
da atividade. Quando cheguei ao bar, os outros pintores já estavam reunidos,
com seus trabalhos. Posicionei minha tela junto às outras pinturas. A votação
começou e os meninos da Lapa votaram no meu trabalho. Terminado o concurso, a
organização do evento liberou o bar para a comemoração, distribuindo
refrigerantes e lanches para a meninada e a premiação dos artistas.
Esse
interesse dos meninos me mostrou que é viável desenvolver arte com crianças que
vivem nas ruas das cidades. Situações como essa me motivaram a orientar meu
trabalho artístico para a Educação e para a criação de oficinas de desenho,
pois, naquela ocasião, sem intenção, planejamento ou recursos, fora do espaço
da escola, acabei atraindo a atenção dos meninos para a pintura, pelo simples
fato de estar ali pintando diante deles.