Thiago Sardenberg
A autora, Betty Edwards, é professora de artes e trabalha com educação artística desde a década de 1970. Desenvolveu o livro baseando-se nas suas experiências de sala de aula, ensinando os alunos a desenhar através de exercícios e atividades direcionadas para o lado menos usado do cérebro, o lado direito (o que é uma mentira e ela também fala que é).
Devido ao extremo uso do lado esquerdo do cérebro pelos sistemas educacionais (no mundo), as habilidades de desenho e visualização do todo (por parte das pessoas) acaba se perdendo devido a extrema repetição de conteúdos que a escola ensina e explora em todos os ciclos de educação (a expressão tradicional a partir da escrita e o raciocínio logico a partir da matemática).
Desse ponto para frente, a autora considera uma falha do sistema, só explorar a escrita e o cálculo, e explica, em exemplos diretos e definidos como é possível “destravar” o lado “artista” do cérebro. Faz questão de deixar evidente que “qualquer pessoa pode desenhar da mesma forma que sabe escrever” e com a pratica, tempo, dedicação e esforço chegará ao nível dos grandes mestres. Só repetir exaustivamente um ou outro passo (dos 5 definidos) não basta e é preciso repetir todos os passos do aprendizado em desenho para se estabilizar o conhecimento (da mesma forma que aprender a ler, escrever e calcular também passam por esse processo).
Os 5 passos sistema
Desenvolveu um sistema direto que representa o que as
pessoas precisam saber para desenhar. Define etapas e tarefas e explica como
realiza-las para que o lado “preguiçoso” do cérebro possa trabalhar de forma
mais natural. Além de precisar que o trabalho seja executado de forma
espontânea, a tarefa precisa ser realizada de forma consciente pelas pessoas e
infelizmente a maioria delas não tem consciência dessas habilidades e precisa
desperta-las a partir do aumento da complexidade e da repetição das atividades
propostas no processo.
As cinco habilidades básicas do desenho (pela autora) são:
Um: percepção das bordas
Dois: percepção dos espaços
Três: percepção dos relacionamentos
Quatro: percepção de luzes e sombras
Cinco: percepção do todo, ou Gestalt
Após todas as dificuldades e problemáticas que essas etapas
possuem naturalmente, existem outras duas que complementam bem o trabalho
proposto e só serão reconhecidas depois que as outras cinco estiverem
estabilizadas e forem conscientemente conhecidas e usadas.
Seis: desenhando de memória (a mais difícil delas)
Sete: diálogo (o mais importante momento concreto do aprendizado
das artes)
O desenho mais difícil é sempre o que não tem referência
visível (ou seja, o desenho de memória) em contra partida, durante o livro
todo, a autora enfatiza que o lado esquerdo do cérebro “o lado do pensamento
lógico e sistemático é certamente essencial para a sobrevivência na cultura em
que vivemos” e que o objetivo definitivo do livro é “nossa estratégia principal
para obter acesso a modalidade D continua igual: apresentar ao cérebro uma
tarefa que a modalidade E vá recusar.”
A autora deixa claro para os alunos dela e aos outros e com
relação aos leitores da obra que qualquer pessoa “Diante de um problema terá a
possibilidade de ver as coisas de duas maneiras: não só abstrata, verbal e
lógica (o lado esquerdo), mas também a holística, muda e intuitivamente (o lado
direito)”. Essas duas formas de ver as coisas fazem parte de qualquer pessoa
“mas para que nossa cultura sobreviva, há uma urgente necessidade de
compreendermos como o cérebro humano molda o nosso comportamento”.
Modalidade E versus
Modalidade D
A autora trabalha num princípio de modalidade dupla de
pensamento. Essas modalidades surgem do princípio de 2 hemisférios do cérebro
humano que funcionam e trabalham de formas distintas. Devido a essa maneira
dupla de receber e processar as informações, o cérebro é capaz de definir e
destinar determinadas informações para um ou para o outro hemisfério porém em
ambos os lados há a percepção de mundo e da realidade vigente e palpável pelas
pessoas.
Por sermos seres que trabalham os movimentos corporais e os
mentais em lados opostos do mesmo cérebro (o lado direito responde pelo
esquerdo do corpo e o lado esquerdo responde pelo direito do corpo) a forma de
ver o mundo também é distinta por ambos os lados.
Na educação tradicional é enfatizado o lado esquerdo do
cérebro, aquele que é responsável pelas classificações, definições, hierarquias
e uso das convenções já estipuladas pelas gerações anteriores (modalidade E)
entretanto o lado direito do cérebro é o responsável pela intuição, pelas
emoções, pela noção do todo e das visões holísticas que o homem pode ter da sua
própria realidade (modalidade D). Ao juntar as duas opções o que teremos?
É desse ponto, onde o extremo uso de um dos hemisférios do
cérebro sobrepõe as percepções e formas de ver e trabalhar as respostas dos
problemas que causa os conflitos que adultos não conseguem perceber de “porque
não sei desenhar?” e a autora explica de forma didática “foi porque você,
pessoa, não teve o devido treino e estímulo para usar o lado certo do cérebro,
para o desenho” e disso, todo o sistema de habilidades básicas do desenho é
demonstrado e definido.
O ponto chave da obra
Esse é o ponto da obra, comportamento das pessoas em serem
questionadas o quanto sabem ou não sabem desenhar e como esse conhecimento (do
desenho) pode fazer uma diferença enorme nas ações e trabalhos delas (em
qualquer trabalho, atividade e/ou no seu dia-a-dia).
A visão holística, a do todo, que um bom líder ou uma
empresa do topo precisa ter sobre o conjunto de “coisas” que fazem da sua
realidade algo palpável ou não (por ela e pelos outros), só é conhecido quando
os problemas ficam simples e claros para todas as outras pessoas (fora das
gerências) e por serem conhecidos existe a possibilidade de serem trabalhados e
passados.
O lado esquerdo do cérebro é o lado racional logico e rege a
maioria das ações e comportamentos que o ser humano tem, desde que precise
seguir padrões estabelecidos por alguém ou alguns. O lado direito é o lado
aquietado do cérebro e como geralmente está “dormente” ou “dormindo” não é
levado muito a sério. Esse lado (o direito) é o responsável pelas habilidades
do desenho, da percepção de formas, luzes, cores e coisas que não precisam ser
definidas por palavras (coisa do lado esquerdo) e mesmo tendo nomes já estabelecidos
e classificados ainda precisam ser redefinidos e retrabalhados pelo lado
direito do cérebro (coisa que o lado esquerdo teimará em falar que não precisa
mas é).
Em nenhum momento a autora fala que um lado do cérebro
trabalha sozinho ou por fora do outro e que não se pode viver sem os dois lados
até porque, boa parte da percepção de mundo, pelas culturas humanas, passa pelo
processo de classificação e da dualidade. Se é grande, pode ser pequeno. Se tem
muitos, podem ter poucos. Se é claro, pode ser escuro e por aí vai.
Conclusão
A obra é um apanhado de exercícios e propostas de trabalho
que não fogem ao tradicional estudo de educação artística. Faz algo diferente e
de forma pontual explora soluções básicas, e de simples adaptações, para
qualquer pessoa que queira aprender a desenhar ou a trabalhar melhor com
desenhos, saiba reaplicar as técnicas e processos demonstrados em qualquer
tamanho de papel ou espaço disponível.
Uma obra que vai além do seu tempo e demonstra como simples
equipamentos, persistência, aplicação certa do conteúdo pode fazer sair do
marasmo o lado artístico das pessoas. Sair do casulo dos sistemas educacionais
que estão vigentes é outro ponto da obra. Por esses sistemas imporem nas
crianças diversas situações regradas e classificadas para manter a ordem e o
controle delas é um fator que o livro tateia e não é nem contra nem a favor, só
passa por eles de forma genérica indicando que acontece.
Para conseguir reverter parte dos danos que esses sistemas
fechados e regrados causam nas crianças e na continuidade da construção dessas
pessoas como seres conscientes que podem aprender mais e melhor, saber desenhar
não é só uma habilidade que tem seus métodos e formulas de trabalho específica
gerando um mérito individual nas pessoas mas que é uma disciplina tão
importante quanto todas as outras ensinadas nas escolas tradicionais e que
precisa de tanto destaque e dedicação quanto as já conhecidas e exploradas.
As disciplinas das linguagens e dos cálculos que fazem e
regem os sistemas educativos tradicionais precisam não só saber explorar suas
formas de trabalhar como usar e trabalhar o desenho ao seu lado e que nenhum
dos três conhecimentos (escrever, calcular ou desenhar) é superior ou inferior
ao outro pois todos se complementam e se auxiliam mutuamente.
Ao saber explorar essas facetas da educação tradicional, a
pessoa que souber usar as três habilidades básicas conseguirão ver o mundo de
outra forma e resolver boa parte de seus problemas de formas menos travadas e
mais abrangentes.
Um bom livro de cabeceira para se consultar e reler a cada
meia década só para lembrar e verificar detalhes que passaram despercebidos em
leituras anteriores.
(Texto originalmente publicado em 26/03/2018 no blog “O
mestrado me tira do sério”)
THIAGO SARDENBERG é Designer, Game Designer, Docente e Produtor Audiovisual. Foi aluno da Oficina de Desenho André Brown.
Referências:
EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.