quinta-feira, 19 de abril de 2018

Desenhando com o lado direito do cérebro




Thiago Sardenberg 

A autora, Betty Edwards, é professora de artes e trabalha com educação artística desde a década de 1970. Desenvolveu o livro baseando-se nas suas experiências de sala de aula, ensinando os alunos a desenhar através de exercícios e atividades direcionadas para o lado menos usado do cérebro, o lado direito (o que é uma mentira e ela também fala que é).

Devido ao extremo uso do lado esquerdo do cérebro pelos sistemas educacionais (no mundo), as habilidades de desenho e visualização do todo (por parte das pessoas) acaba se perdendo devido a extrema repetição de conteúdos que a escola ensina e explora em todos os ciclos de educação (a expressão tradicional a partir da escrita e o raciocínio logico a partir da matemática).

Desse ponto para frente, a autora considera uma falha do sistema, só explorar a escrita e o cálculo, e explica, em exemplos diretos e definidos como é possível “destravar” o lado “artista” do cérebro. Faz questão de deixar evidente que “qualquer pessoa pode desenhar da mesma forma que sabe escrever” e com a pratica, tempo, dedicação e esforço chegará ao nível dos grandes mestres. Só repetir exaustivamente um ou outro passo (dos 5 definidos) não basta e é preciso repetir todos os passos do aprendizado em desenho para se estabilizar o conhecimento (da mesma forma que aprender a ler, escrever e calcular também passam por esse processo).


Os 5 passos sistema

Desenvolveu um sistema direto que representa o que as pessoas precisam saber para desenhar. Define etapas e tarefas e explica como realiza-las para que o lado “preguiçoso” do cérebro possa trabalhar de forma mais natural. Além de precisar que o trabalho seja executado de forma espontânea, a tarefa precisa ser realizada de forma consciente pelas pessoas e infelizmente a maioria delas não tem consciência dessas habilidades e precisa desperta-las a partir do aumento da complexidade e da repetição das atividades propostas no processo.

As cinco habilidades básicas do desenho (pela autora) são:

Um: percepção das bordas

Dois: percepção dos espaços
Três: percepção dos relacionamentos
Quatro: percepção de luzes e sombras
Cinco: percepção do todo, ou Gestalt


Após todas as dificuldades e problemáticas que essas etapas possuem naturalmente, existem outras duas que complementam bem o trabalho proposto e só serão reconhecidas depois que as outras cinco estiverem estabilizadas e forem conscientemente conhecidas e usadas.

Seis: desenhando de memória (a mais difícil delas)
Sete: diálogo (o mais importante momento concreto do aprendizado das artes)
O desenho mais difícil é sempre o que não tem referência visível (ou seja, o desenho de memória) em contra partida, durante o livro todo, a autora enfatiza que o lado esquerdo do cérebro “o lado do pensamento lógico e sistemático é certamente essencial para a sobrevivência na cultura em que vivemos” e que o objetivo definitivo do livro é “nossa estratégia principal para obter acesso a modalidade D continua igual: apresentar ao cérebro uma tarefa que a modalidade E vá recusar.”

A autora deixa claro para os alunos dela e aos outros e com relação aos leitores da obra que qualquer pessoa “Diante de um problema terá a possibilidade de ver as coisas de duas maneiras: não só abstrata, verbal e lógica (o lado esquerdo), mas também a holística, muda e intuitivamente (o lado direito)”. Essas duas formas de ver as coisas fazem parte de qualquer pessoa “mas para que nossa cultura sobreviva, há uma urgente necessidade de compreendermos como o cérebro humano molda o nosso comportamento”.

Modalidade E versus Modalidade D

A autora trabalha num princípio de modalidade dupla de pensamento. Essas modalidades surgem do princípio de 2 hemisférios do cérebro humano que funcionam e trabalham de formas distintas. Devido a essa maneira dupla de receber e processar as informações, o cérebro é capaz de definir e destinar determinadas informações para um ou para o outro hemisfério porém em ambos os lados há a percepção de mundo e da realidade vigente e palpável pelas pessoas.

Por sermos seres que trabalham os movimentos corporais e os mentais em lados opostos do mesmo cérebro (o lado direito responde pelo esquerdo do corpo e o lado esquerdo responde pelo direito do corpo) a forma de ver o mundo também é distinta por ambos os lados.

Na educação tradicional é enfatizado o lado esquerdo do cérebro, aquele que é responsável pelas classificações, definições, hierarquias e uso das convenções já estipuladas pelas gerações anteriores (modalidade E) entretanto o lado direito do cérebro é o responsável pela intuição, pelas emoções, pela noção do todo e das visões holísticas que o homem pode ter da sua própria realidade (modalidade D). Ao juntar as duas opções o que teremos?

É desse ponto, onde o extremo uso de um dos hemisférios do cérebro sobrepõe as percepções e formas de ver e trabalhar as respostas dos problemas que causa os conflitos que adultos não conseguem perceber de “porque não sei desenhar?” e a autora explica de forma didática “foi porque você, pessoa, não teve o devido treino e estímulo para usar o lado certo do cérebro, para o desenho” e disso, todo o sistema de habilidades básicas do desenho é demonstrado e definido.

O ponto chave da obra

Esse é o ponto da obra, comportamento das pessoas em serem questionadas o quanto sabem ou não sabem desenhar e como esse conhecimento (do desenho) pode fazer uma diferença enorme nas ações e trabalhos delas (em qualquer trabalho, atividade e/ou no seu dia-a-dia).

A visão holística, a do todo, que um bom líder ou uma empresa do topo precisa ter sobre o conjunto de “coisas” que fazem da sua realidade algo palpável ou não (por ela e pelos outros), só é conhecido quando os problemas ficam simples e claros para todas as outras pessoas (fora das gerências) e por serem conhecidos existe a possibilidade de serem trabalhados e passados.

O lado esquerdo do cérebro é o lado racional logico e rege a maioria das ações e comportamentos que o ser humano tem, desde que precise seguir padrões estabelecidos por alguém ou alguns. O lado direito é o lado aquietado do cérebro e como geralmente está “dormente” ou “dormindo” não é levado muito a sério. Esse lado (o direito) é o responsável pelas habilidades do desenho, da percepção de formas, luzes, cores e coisas que não precisam ser definidas por palavras (coisa do lado esquerdo) e mesmo tendo nomes já estabelecidos e classificados ainda precisam ser redefinidos e retrabalhados pelo lado direito do cérebro (coisa que o lado esquerdo teimará em falar que não precisa mas é).
Em nenhum momento a autora fala que um lado do cérebro trabalha sozinho ou por fora do outro e que não se pode viver sem os dois lados até porque, boa parte da percepção de mundo, pelas culturas humanas, passa pelo processo de classificação e da dualidade. Se é grande, pode ser pequeno. Se tem muitos, podem ter poucos. Se é claro, pode ser escuro e por aí vai.

Conclusão

A obra é um apanhado de exercícios e propostas de trabalho que não fogem ao tradicional estudo de educação artística. Faz algo diferente e de forma pontual explora soluções básicas, e de simples adaptações, para qualquer pessoa que queira aprender a desenhar ou a trabalhar melhor com desenhos, saiba reaplicar as técnicas e processos demonstrados em qualquer tamanho de papel ou espaço disponível.

Uma obra que vai além do seu tempo e demonstra como simples equipamentos, persistência, aplicação certa do conteúdo pode fazer sair do marasmo o lado artístico das pessoas. Sair do casulo dos sistemas educacionais que estão vigentes é outro ponto da obra. Por esses sistemas imporem nas crianças diversas situações regradas e classificadas para manter a ordem e o controle delas é um fator que o livro tateia e não é nem contra nem a favor, só passa por eles de forma genérica indicando que acontece.

Para conseguir reverter parte dos danos que esses sistemas fechados e regrados causam nas crianças e na continuidade da construção dessas pessoas como seres conscientes que podem aprender mais e melhor, saber desenhar não é só uma habilidade que tem seus métodos e formulas de trabalho específica gerando um mérito individual nas pessoas mas que é uma disciplina tão importante quanto todas as outras ensinadas nas escolas tradicionais e que precisa de tanto destaque e dedicação quanto as já conhecidas e exploradas.

As disciplinas das linguagens e dos cálculos que fazem e regem os sistemas educativos tradicionais precisam não só saber explorar suas formas de trabalhar como usar e trabalhar o desenho ao seu lado e que nenhum dos três conhecimentos (escrever, calcular ou desenhar) é superior ou inferior ao outro pois todos se complementam e se auxiliam mutuamente.

Ao saber explorar essas facetas da educação tradicional, a pessoa que souber usar as três habilidades básicas conseguirão ver o mundo de outra forma e resolver boa parte de seus problemas de formas menos travadas e mais abrangentes.
Um bom livro de cabeceira para se consultar e reler a cada meia década só para lembrar e verificar detalhes que passaram despercebidos em leituras anteriores.

(Texto originalmente publicado em 26/03/2018 no blog “O mestrado me tira do sério”)

THIAGO SARDENBERG é Designer, Game Designer, Docente e Produtor Audiovisual. Foi aluno da Oficina de Desenho André Brown.

Referências:

EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.





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